[Daniel Lüdtke]
“As pragas do Egito: a ciência explica”, publicou Marcos Guterman, editor do estadão.com.br, no seu blog hospedado pelo site do jornalão paulista. O texto trata do artigo do biólogo Roger Wotton, da University College London, divulgado na revista acadêmica
Opticon 1826, onde se afirma que “as pragas do Egito, que desmoralizaram o faraó e acabaram por levar à libertação dos hebreus, tiveram causas naturais” – como resumiu Guterman. A análise do biólogo também foi manchete em
Time: “Pragas do Egito 'causadas pela natureza, não Deus'”.
Apesar de alardeado, seu estudo é raso e apresenta conclusões fantasiosas. Nada digno da alcunha “ciência”, como garantiu Guterman. A explicação para as dez pragas, que elimina a possível intervenção de Deus, é resumidamente a seguinte:
A verdadeira (e mirabolante) causa das pragas
Depois de um período de falta de chuva, aconteceu uma dramática mudança de tempo. Fortes chuvas fizeram com que sedimentos da terra caíssem na água. “Como os sedimentos eram vermelhos, aconteceu uma dramática mudança de coloração do rio”, explica Wotton. Essa é a primeira praga relatada no livro de Êxodo. Segundo o biólogo, o excesso de sedimento matou os peixes, resultando num cheiro desagradável da putrefação dos corpos.
Por acaso, migrou uma grande quantidade de rãs, que depositaram seus ovos no terreno arenoso, umedecido pela recente inundação. Por ocasião do nascimento dos insetos, houve explosão de rãs no Egito. O ambiente encharcado, somado aos peixes em estado de putrefação, torna-se ideal para a proliferação de piolhos (3ª praga) e moscas (4ª praga). Essas moscas, por sua vez, em busca de sangue para se alimentar, vão ao encontro dos animais e do homem, espalhando infecção por todos os lados. Acontece então a peste nos animais (5ª praga) e as úlceras nos humanos (6ª praga). De acordo com Wotton, foi nesse tempo também que os gafanhotos foram em busca de comida e devoraram as plantações dos egípcios (8ª praga).
Após estes acontecimentos, teria acontecido um aquecimento na região, a mudança repentina das massas de ar que teria gerado chuva de granizo (7ª praga). Este seria também o tempo das trevas (9ª praga) que cobriram o Egito. A Bíblia, entretanto, fala de três dias de escuridão total. Wotton sugere a possibilidade de serem “dias míticos”, com duração diferente do que conhecemos hoje.
Por fim, Wotton assume não ter posição definida quanto à morte dos primogênitos (10ª praga), mas arrisca: eles podem ter morrido por alguma doença infecciosa.
É interessante como hoje, pessoas ilustres e acadêmicos podem se dar ao luxo de escrever devaneios e chamarem isso de Ciência (com letra maiúscula).
Como surgem os mitos
Para Wotton, o mítico foi somado à história original da libertação de Israel, porque “este é um relato escrito gravado seguindo gerações de transmissão verbal, com a inevitável distorção dos resultados”. Assim teria surgido a lenda.
Acontece que as evidências apontam para Moisés como autor do livro de Êxodo. Assim, não se trataria de uma história passada e repassada, mas escrita por uma testemunha ocular – e mais que isso, o protagonista.
Duas vezes o livro de Êxodo declara que Deus falou para Moisés escrever os acontecimentos ou as leis em um livro (17:14; 34:27) e também diz que “Moisés escreveu todas as palavras do Senhor” (24:4). Estas reivindicações internas também são encontradas em outros livros do Antigo e Novo Testamento.
Outros argumentos a favor da autoria mosaica: (1) todo o Pentateuco – formado pelos cinco primeiros livros da Bíblia e que são atribuídos tradicionalmente à autoria de Moisés – contém características idênticas de estilo e essas peculiaridades são ao mesmo tempo distintas do restante do Antigo Testamento; (2) em todo o esboço de Êxodo, nota-se que o livro foi composto e planejado por uma única mente e não se trata de uma obra grosseira de retalhos; (3) devido às vívidas descrições do texto, o autor foi claramente uma testemunha ocular dos eventos; (4) o autor informa costumes detalhados do povo de Israel e demonstra íntimo conhecimento da terra e da rota do êxodo, o que corrobora a idéia de que o autor era um judeu educado, que em algum momento viveu no Egito (ver At 7:22) e que era familiarizado com parte da Península do Sinai; (5) o Pentateuco contém a maior porcentagem de palavras egípcias de todo o Antigo Testamento e arcaísmo que remetem o texto ao tempo da 18ª Dinastia, a época mais provável em que Moisés viveu.
Quando a Galileu também desvendou o mistério
Em “Arqueologia da Bíblia”, reportagem da revista Galileu em abril de 2004, o assunto das dez pragas também foi analisado. A explicação do milagre também é bastante hipotética. Leia abaixo o texto como foi publicado.
Pode ter ocorrido na época uma sucessão de catástrofes ecológicas encadeadas, que teriam começado com a poluição do Nilo por partículas de terra vermelha associadas a algas nocivas. A poluição teria forçado rãs e sapos a saírem para terra firme e morrerem de fome, deixando moscas e mosquitos livres para se reproduzirem. A mortandade dos animais e as úlceras estariam ligadas a doenças transmitidas pelas moscas e mosquitos. A escuridão seria uma chuva de granizo particularmente forte, na qual a areia úmida se tornou depósito de ovos de gafanhotos. A morte dos primogênitos estaria ligada a toxinas produzidas nos cereais estocados em virtude da chuva. Como os primogênitos eram os filhos mais importantes, provavelmente teriam sido os primeiros a se alimentar, ingerindo os grãos contaminados.