sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Mídia catequizada e Igreja em alta

[Daniel Lüdtke]

“Quem empilhou e separou esses jornais sobre o papa?”, perguntei a uma estagiária da agência. Depois do gesto dela de desconhecimento, percebi meu erro e sorri alto. Tratava-se apenas de uma pilha comum de jornais. Ninguém tinha separado os periódicos por tema. A própria mídia fizera isso.

Os meios de comunicação alardearam a visita de Bento 16 ao Brasil com meses de antecedência. O Estado de S. Paulo trazia a contagem regressiva para o grande dia no cada caderno especial “O papa no Brasil”. Mas, além de antecipar e cobrir o evento com muita técnica, a mídia deixou se envolver emocionalmente com o fato. Agiu como uma devota extasiada diante do religioso. A conseqüência foi uma exaltação da fé católica em detrimento das demais. Poucos foram os momentos de sobriedade laica.

“O Estado é laico. A mídia é laica?”, perguntou a última edição do Observatório da Imprensa aos internautas. Até 23 de maio, 81% deles responderam “não”.

Isso foi visível. Segundo a mídia, a real perspectiva religiosa no Brasil é o fortalecimento da Igreja Católica. Propagou-se a idéia de que ela é a Igreja com “i” maiúsculo. O resto é seita.
Em uma das manchetes do Jornal Nacional os evangélicos foram chamados indiretamente de seita. Já O Estado de S. Paulo, não poupou o uso do adjetivo na edição de 10 de maio – no caderno especial sobre a vinda do papa, com 12 páginas. Em outros textos, igrejas evangélicas que estão em ligação ecumênica com a Igreja Católica são chamadas de “denominações cristãs”. As demais são seitas.

Em alta?

Há uma constante superênfase na Igreja Católica nas fotos, na linguagem e na ideologia das entrelinhas. A Globo, que há quase 40 anos transmite a “Santa Missa”, mostrou sua estrita ligação católica desde a cobertura da escolha do novo papa. E a Globo sempre lucra com isso. A chegada dele ao Brasil fez a emissora subir 75% na audiência.

A mídia raramente mostra a queda gradual de membros da Igreja, além do crescente número de católicos não-praticantes. Ela mostra a Igreja em ascensão. Poucos enfatizaram a presença de menos de um terço do esperado na missa em Aparecida, e os que o fizeram, responsabilizaram o medo de congestionamento.

O Estadão, que em alguns momentos idolatrou o líder eclesiástico, ousou publicar, em 9 de maio, pesquisa que mostrou 33,3% dos católicos como não satisfeitos com a religião; enquanto que 90,7% dos que deixaram o catolicismo estão realizados na nova denominação. Oscilou, como muitos, entre um jornal sério e um house organ do Vaticano.

A Folha Online pareceu também ter percebido o excesso monotemático e, entre as mais de 50 notícias diárias sobre o papa no site, o jornal republicou uma série de reportagens chamada “saiba mais sobre religiões”. Além de abordar o Cristianismo como um todo, tratou de budismo, espiritismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo, cientologia e teoltecas. É como se o jornal estivesse dando uma mensagem: olhe, ainda existem outras religiões no mundo!

Lorota canônica

Muitas matérias tiveram o tom das revistas populares de fofoca. Mesmo Folha Online aproveitou o momento para desenvolver-se nesse segmento. “ Papa volta a acenar para fiéis que fazem vigília no mosteiro de São Bento”, publicou na quinta, 10, às 12h47. Duas horas depois outra notícia relevante: “Papa reaparece na sacada do mosteiro pela terceira vez para saudar fiéis”. O jornalista informa que o papa apareceu ao público após o almoço, e fez questão de informar o cardápio: “o papa comeu nhoque de mandioquinha acompanhado de vinho selecionado”.

“Saiba como é o quarto do papa em Aparecida”, divulgou também a Folha no sábado, 12. O Estadão, em 9 de maio, dedicou uma página inteira para mostrar os aposentos do papa no mosteiro São Bento. Mas a matéria vencedora foi: “ Papa descansa em seu quarto no mosteiro de São Bento”. Realmente foi muito importante saber que ele também dorme.

Aliança

Pouco se falou sobre a intenção da visita do papa ao Brasil. Apenas excessos sobre a fé dos brasileiros e exploração imagética do eclesiástico.

A passagem do pontífice pelo País tentava o estreitamento ainda maior entre Igreja e Estado. O Estadão, em 8 de maio, publicou reportagem afirmando que o Vaticano não conseguiria atingir seus objetivos principais na vinda do papa, que seriam “a assinatura de um acordo com o governo garantindo à Igreja todos seus direitos no território nacional, inclusive a consolidação de todas as isenções fiscais que recebe, obrigações no setor educacional e mesmo a autorização para que missionários possam entrar em reservas ecológicas e indígenas”. Segundo o texto, um dos temores do governo seria a pressão evangélica para acordo semelhante.

Uma coisa é certa: com o apoio dos meios de comunicação, com certeza o papa alcançará seus objetivos. Não foram poucas as vezes que o líder católico se reuniu com jornalistas. No avião em que veio ao Brasil, 70 jornalistas o entrevistavam durante toda a viagem. Recentemente, também, Bento 16 agradeceu aos profissionais pela cobertura da transição papal e disse que deseja dialogar mais com a mídia.

Crescendo essa ligação entre catolicismo e mídia, aliada ao ecumenismo sob o guarda-chuva da Igreja Católica Romana, a considerada herdeira direta dos apóstolos se consolidará. Esta é uma perspectiva certa. Resta saber se a Idade Média continuará somente no passado.

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