sexta-feira, 23 de maio de 2008

Época entrevista o advogado de Deus

[Daniel Lüdtke]

Ineditamente, a Época entrevistou (09/05/08) o ex-ateu Alister McGrath, doutor em biofísica molecular e teologia pela Oxford, onde atualmente é professor. McGrath, autor do livro “O delírio de Dawkins”, é um dos principais defensores do cristianismo no meio científico e um dos maiores críticos do fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins – popularmente difundidos na polêmica obra “Deus, um delírio”.

Silêncio do tribunal. Que fale o advogado de Deus!

Entrevista: Alister McGrath afirma que a fé ajuda a explicar o que a ciência não consegue

Alister McGrath e Richard Dawkins, autor do livro "Deus, um delírio", têm trajetórias bastante parecidas. Ambos são cientistas de Oxford, estudiosos das ciências naturais e mostram-se abertos a novas formas de pensar, desde que as evidências o levem a isso. A diferença é que o raciocínio lógico levou Dawkins a pregar o ateísmo e McGrath a acolher a fé. Leia, nesta entrevista, como ele considera que a existência de Deus pode ajudar o conhecimento científico.

ÉPOCA - Quando você passou a acreditar em Deus?

Alister McGrath - Na juventude estive apaixonadamente persuadido pela veracidade e relevância do ateísmo. Quando fui para Oxford estudar química, comecei a refletir sobre se aquilo faria sentido. Mais tarde conheci Joanna (sua atual esposa) e percebi que a força dos argumentos que levam a Deus é mais satisfatória do que a que leva ao ateísmo.

ÉPOCA - Vocês e Richard Dawkins são amigos?

McGrath - Não, somos apenas professores da mesma universidade. Nós estamos presentes em alguns congressos e nos encontramos. Somos cordiais. Mas não posso dizer que somos amigos. Nós nos conhecemos mais pelas publicações que um e outro produziu. E nossas divergências também aparecem no que escrevemos.

ÉPOCA - Você diz que Dawkins se tornou um fanático. Qual a sua suspeita?

McGrath - A agressividade de Dawkins é reflexo de sua frustração. Ele passou a ser mais agressivo porque sabe que a religião está cada vez mais presente na vida das pessoas. Ele convoca seus leitores para militar contra a religião e rompe com sua própria argumentação. Seu único argumento é de que a religião não descobriu nenhum indício sobre a existência de qualquer realidade que não seja a natural. É por frustração que ele afirma que toda a religião é perniciosa e deve ser banida da sociedade.

ÉPOCA - Quais seus argumentos para acreditar que Deus existe?

McGrath - Neste meu livro, eu realmente não dou argumentos para acreditar em Deus, mas rebato os de Dawkins. A forma como você acredita em Deus dá sentido ao mundo. Acreditar em Deus traz esperança e motivação para se manter vivo e se relacionar com as pessoas.

ÉPOCA - Você acredita na evolução?

McGrath - Eu discordo de Dawkins em sua insistência de que a evolução biológica exclui Deus do processo. Não entendo como ele chegou a essa conclusão. Na minha opinião, as duas coisas são compatíveis.

ÉPOCA - As pessoas religiosas têm a moral mais desenvolvida que os ateus?

McGrath - Não quero dizer que ateus são pessoas ruins. O que quero dizer
é que acreditar em Deus dá habilidade e ferramentas para tratar melhor deste
assunto.

ÉPOCA - Dawkins diz que é importante submeter a fé a um exame crítico. Você acredita nisso?

McGrath - Sim, acho que isso é uma importante coisa a se fazer. Acredito que todo mundo deveria submeter suas crenças a um exame crítico. Sempre. A razão pela qual sou cristão é porque submeti minhas crenças e descobri que elas não ficavam em pé. Para mim, acreditar em Deus tem razões muito mais robustas.

ÉPOCA - Quando a ciência não pode explicar Deus?

McGrath - Penso que a ciência é extremamente efetiva para explicar o mundo natural. Mas quando tenta explicar questões como valores ou significados, não acredito que ela consiga com êxito. Dawkins diz que a ciência pode explicar todas as coisas. Eu digo que acreditar em Deus ilumina partes da vida que a ciência não pode explicar. As duas podem trabalhar muito bem juntas.

ÉPOCA - Você votaria em um candidato ateu?

McGrath - Eu não escolheria meu candidato considerando a religiosidade dele. Dawkins exagerou no preconceito. Eu não cultivo o preconceito que ele próprio tem. Há um grande preconceito dentro da universidade, especialmente contra cristãos.


Em seu livro “O delírio de Dawkins”, McGrath questiona o dogmatismo ateísta de Richard Dawkins. “Tal qual um evangelista, Dawkins prega a seus devotos do ódio a Deus”, aponta McGrath. Veja a síntese do problema:

“Essa questão é muito séria e problemática. A total convicção dogmática que permeia algumas partes do ateísmo ocidental de hoje, notavelmente ilustrada em ‘Deus, um delírio’ – se alinha de imediato a um fundamentalismo religioso cujas idéias não se podem examinar ou contestar. Dawkins resiste a ajustes em suas convicções, que ele considera luminosamente verdadeiras e, portanto, isentas de qualquer defesa. Está tão convencido da correção de suas concepções que não se permite acreditar que as evidências possam legitimar quaisquer outras opções – sobretudo religiosas” [p. 19].


DAWKINS versus MCGRATH

Leia a síntese do duelo de argumentos entre Richard Dawkins e Alister McGrath, como apresentados em “O delírio de Dawkins”:

A FÉ É INFANTIL

Argumento de Dawkins: Crer em Deus é como crer no coelhinho da Páscoa ou em Papai Noel – crenças infantis que são abandonadas tão logo nos tornamos capazes de pensar com base nas evidências. A humanidade “pode deixar a fase do bebê-chorão e finalmente atingir a maioridade”. Tal “explicação infantil” pertence a uma era remota e supersticiosa da história, já superada, da humanidade” [Thought for the Day, Rádio BBC, 2003].

Argumento de McGrath: “Quantas pessoas você conhece que passaram a acreditar em Papai Noel na vida adulta? Ou que, na velhice, achou sua fé no consolador coelhinho da Páscoa? (...) Eu não acreditava em Deus até ir à universidade. Aqueles que usam o argumento da infantilidade devem explicar por que tantas pessoas descobrem Deus mais tarde na vida, e certamente não acreditam que isso representa algum tipo de regressão, perversão ou degeneração” [O delírio de Dawkins, p. 28].

A EXTREMA IMPROBABILIDADE DE DEUS

Argumento de Dawkins: “Qualquer Deus capaz de projetar qualquer coisas teria se ser complexo o suficiente para exigir o mesmo tipo de explicação para si mesmo. A existência de Deus nos coloca diante de uma regressão infinita da qual ele não consegue nos ajudar a fugir” [Deus, um delírio, p. 153].

Argumento de McGrath: “Dawkins é particularmente sarcástico em relação aos teólogos que se permitem o ‘duvidoso luxo de conjurar arbitrariamente uma terminação para a regressão infinita’ (Deus, um delírio, p. 112). Tudo o que é auto-explicado deve ser explicado – e essa explicação, por sua vez, precisa ser explicada, e assim por diante. Não há um meio justificável de pôr um fim a essa regressão infinita de explicações. O que explica a explicação? Ou para mudar um pouco a metáfora, quem projetou o projetista? (...) Talvez devamos refletir sobre as muitas coisas aparentemente improváveis – mas a improbabilidade não implica, nem nunca implicou, a não-existência. Podemos ser altamente improváveis. Mas estamos aqui. A questão, portanto, não é se Deus é provável, mas se Deus é real” [O delírio de Dawkins, p. 38-41].

A CIÊNCIA EXPLICA TUDO

Argumento de Dawkins: “A ciência explica tudo” [Philosophical Foudations of Neuroscience, p. 372-376].

Argumento de McGrath: “As teorias científicas não podem ser tomadas para ‘explicar o mundo’, mas apenas para explicar os fenômenos observados no mundo. Além disso, argumentam os autores, as teorias científicas não descrevem e explicam ‘tudo sobre o mundo’, e nem pretendem fazê-lo – conforme suas propostas. Direito, economia e sociologia podem ser citadas como exemplos de disciplinas que se dedicam a fenômenos de domínios específicos, sem que, de modo algum, sejam consideradas inferiores às ciências naturais ou delas dependentes” [O delírio de Dawkins, p. 53].

RELIGIOSIDADE GERA VIOLÊNCIA - ATEÍSMO NÃO

Argumento de Dawkins: “Não acredito que haja um ateu no mundo que demoliria Meca – ou Chartres, York Minster ou Notre Dame” [Deus, um delírio, p. 322].

Argumento de McGrath: “A visão ingênua e pueril de Dawkins de que ateus nunca cometem crimes em nome do ateísmo tropeça nas cruéis pedras de realidade. (...) A história da União Soviética está repleta de incêndios e explosões de inúmeras igrejas. Sua contestação de que o ateísmo é livre de violência e opressão, as quais ele associa com a religião, é simplesmente insustentável e sugere um significativo ponto cego” [O delírio de Dawkins, p. 111].

“Suponha que o sonho de Dawkins se tornasse realidade e a religião desaparecesse: isso poria fim às divisões dentro da humanidade? Com certeza não. Tais divisões são basicamente construtos sociais que refletem a necessidade sociológica fundamental de autodefinição das comunidades, e que identificam quem está ‘dentro’ e quem está ‘fora’, quem são os ‘amigos’ e quem são os ‘inimigos’” [O delírio de Dawkins, p. 115].


JESUS FOI SEPARATISTA E O CRISTIANISMO PROMOVE ISSO

Argumento de Dawkins: “Jesus foi um devoto da mesma moralidade entre membros do mesmo grupo – associada à hostilidade a forasteiros – que era tida como certa no Antigo Testamento. Jesus era um judeu leal. Foi Paulo quem inventou a idéia de levar o Deus dos judeus aos gentios. Hartung usa um tom mais duro do que eu ousaria: ‘Jesus teria se revirado no túmulo se soubesse que Paulo estava levando seu plano aos porcos’” [Deus, um delírio, p. 332].

Argumento de McGrath: “Em primeiro lugar, Jesus estende explicitamente o mandamento do antigo Testamento de ‘amar o seu próximo’ para ‘amar os inimigos’ (Mateus 5:44). Longe de endossar a ‘hostilidade aos de fora’, ele recomendou e ordenou uma moral de ‘ratificação dos de fora’. (...) Os cristãos podem ser acusados de não cumprir esse mandamento. Mas ele stá lá, bem na essência da ética cristã”. [O delírio de Dawkins, p. 120-121].

“Em segundo lugar, muitos leitores poderia mencionar que a conhecida narrativa da parábola do bom samaritano deixa claro que o mandamento para ‘amar o seu próximo’ vai além do judaísmo. (...) No Novo Testamento, tal grupo é diversamente chamado de ‘pecadores’, ‘coletores de ‘impostos’ e ‘prostitutas’. Uma das principais acusações feitas por seus críticos no judaísmo era a aberta aceitação de Jesus aos ‘de fora’” [O delírio de Dawkins, p. 121].

quarta-feira, 14 de maio de 2008

G1 publica a "verdade" sobre a Arca da Aliança... Bem, talvez...

[Daniel Lüdtke]

Não é de hoje que a mídia apresenta notícias sensacionalistas com a alcunha de “verdade”. O G1 publicou em 11 de maio: Conheça a verdadeira ‘cara’ da Arca da Aliança, objeto mais sagrado da Bíblia”. Segundo a reconstituição apresentada, a peça sagrada original teria dois cavalos alados sobre a tampa, ao invés dos dois anjos mencionados na Bíblia. Esses cavalos seriam a revelação do passado politeísta do povo de Israel. O leitor, todavia, ávido por ter acesso a essa “verdade”, depara-se com um texto não-conclusivo, longe da veracidade proposta na chamada.

Assim, em contraste com a afirmação categórica do título, a reportagem é recheada de termos como: “Lembra um bocado”; “parece ter tido sua origem”; “parece que”; “deve ter acontecido”; “provavelmente”. Veja:

"A Arca parece ter tido sua origem nos amuletos protetores parecidos com caixas usados até hoje por algumas tribos de beduínos. Colocadas em cima de camelos, essas caixas são a vanguarda das migrações deles, da mesma maneira como se descreve a Arca liderando os israelitas no deserto", escreve Stephen A. Geller, professor de estudos bíblicos do Seminário Teológico Judaico de Nova York.

"Parece que a tendência ao aniconismo [ou seja, a não fazer imagens divinas] é uma coisa que veio mais tarde, por volta dos séculos 8 a.C. ou 7 a.C.", afirma ele. "Antes disso, a prática do politeísmo [adoração a vários deuses] no Templo de Jerusalém deve ter acontecido normalmente."

O próprio Tabernáculo dá indicações da associação do culto israelita com deuses dos cananeus, moradores politeístas da região que se tornaria Israel. "O principal deus cananeu, El, era retratado como morando numa tenda, no alto de uma montanha", afirma Christine Hayes, professora de Bíblia Hebraica da Universidade Yale (EUA). É uma imagem que lembra um bocado Javé, o qual ordena a construção do Tabernáculo e fala com Moisés no monte Sinai.

Legenda: Monstro alado de palácio assírio do século VIII a.C.: os querubins da Arca da Aliança provavelmente tinham uma aparência desse tipo.


O fato de lembrar um bocado não significa muita coisa. Parecer também pode não indicar nada mais que parecer. A mídia insiste em afirmar ao invés de supor, apontar. E quando o assunto é Bíblia, não importa a fragilidade das evidências. Se elas aparentemente contradizem as Escrituras, pode-se tomar isso como verdade. Ponto final.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Mídia aponta ausência de provas como prova de que Moisés não existiu

[Daniel Lüdtke]

A manchete do G1 (20/04/08) alardeia: “Moisés pode não ter existido, sugere pesquisa arqueológica”. “O que será que os arqueólogos descobriram?”, é a pergunta que logo vem à mente. Bem, na verdade, nada foi descoberto. Trata-se de mais uma teoria firmada na ausência de documentos. É simples: Se não achamos nada específico sobre Moisés, é porque ele não existiu. Palmas para complexa e profunda “análise científica”.

Embora a reportagem admita que o livro de Êxodo pode “ter tido uma origem em acontecimentos reais”, Moisés e os acontecimentos ligados à libertação do Egito são tomados como floreios de uma história simplória e insossa.

Antes, drogado. Agora... quem sabe?

"O Moisés da Bíblia é claramente 'construído'. Pode até ter existido um Moisés lá no passado que inspirou o dos textos, mas nada sabemos dele com segurança”, opinou contraditoriamente Airton José da Silva, professor de Antigo Testamento do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (SP).

Na primeira sentença, Silva garante que Moisés foi um personagem “claramente construído”, montado pelo disse-que-me-disse da tradição oral. Afirma, entretanto, logo em seguida, que “nada sabemos dele com segurança”. O professor está claramente convencido do que fala ou não tem segurança de nada? O que ele quer dizer com isso?

Povo pequeno e sem graça

Embora a reportagem mencione a estela de Merneptah – coluna de pedra erigida pelo faraó Merneptah, onde menciona-se e comprava-se o nome de Israel como povo organizado já em 1200 a.C. –, reduz a nação a um insignificante amontoado de nômades. Para estes “pesquisadores” (o termo “especuladores” também cairia bem), a falta de documentos egípcios que relatem a presença israelita do Egito é “prova” de que eles nunca viveram de fato no país banhado pelo Nilo.

No texto, Milton Schwantes, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, especula que a libertação descrita do Êxodo pode até ter ocorrido, mas de maneira bem menos espetacular que a narrativa bíblica aponta. Ele ironiza: "É uma cena de pequeno porte – estamos falando de grupos minoritários, de 150 pessoas fugindo pelo deserto. Em vez do exército egípcio inteiro perseguindo essa meia dúzia de pobres e sendo engolido pelo mar, o que houve foram uns três cavalos afundando na lama".

Atravessando o mar... quer dizer, o pântano!

A passagem do povo de Israel pelo Mar Vermelho é um dos momentos mais marcantes de toda a história do povo, relembrado em hinos, orações e sermões bíblicos. Na reportagem, entretanto, o próprio autor faz uma afirmação sem ser apoiado por nenhuma citação:

O sentido original do hebraico Yam Suph, normalmente traduzido como "Mar Vermelho", parece ser "Mar de Caniços", ou seja, uma área cheia dessas plantas típicas de regiões lacustres. Assim, nas versões originais da lenda, afirmam estudiosos do texto bíblico, os "carros e cavaleiros" do Egito teriam ficado presos na lama de um grande pântano, enquanto os fugitivos conseguiam escapar. Conforme a tradição oral sobre o evento se expandia, os acontecimentos milagrosos envolvendo a abertura de um mar de verdade foram sendo adicionados à história.

Mais uma explicação mirabolante e nada sólida para os eventos bíblicos. Mais uma conjectura rotulada de “pesquisa científica”.