quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Che Guevara dos tempos bíblicos

[Daniel Lüdtke]

Para quem acha que o Jesus da revista Veja é totalmente diferente do da Superinteressante, é aconselhável fazer uma reavaliação. Ambas, publicadas pela Editora Abril, são repetitivas ao abordar a pessoa de Cristo. A tendenciosidade, quase inevitável ao se falar em religião, estampa-se escancaradamente nas páginas evolucionistas da Super. Em Veja, é mais nas entrelinhas.

Todos os artigos giram basicamente em torno de temas como (1) provas de que Jesus não nasceu em Belém e sim em Nazaré; (2) possibilidade de Cristo ser essênio - uma seita da época; (3) descoberta de 1968 de um homem de mais ou menos 30 anos, crucificado no tempo de Jesus; (4) histórias absurdas dos livros apócrifos (não canonizados); etc.

As duas revistas são idênticas mesmo quando tratam Jesus como um revolucionário do mundo antigo. Veja, mais voltada para a massa, parece tratar disso com maior suavidade. Isso se deve ao fato de que seu público-alvo é formado por maioria esmagadora de católicos e um crescente número de evangélicos - afirmando o quadro religioso do Brasil. Daí, falar de Jesus explicitamente como um Che Guevara poderia ser chocante demais.

A matéria de capa de Veja de 25 de dezembro de 2002 - "As faces de Jesus" - mostra Cristo como mais um entre muitos. "Hoje é fácil enxergar a beleza da mensagem de Jesus, mesmo que não se acredite em sua origem sagrada", diz o texto. Quem não acredita? O autor do texto? Deve ser.

Essa afirmativa, contudo, aparece escondida no amontoado de frases que parecem enaltecer a Jesus. O respeito a Cristo mostra-se em pequenos detalhes, como usar letra maiúscula nos possessivos que a Ele se referem - "Seu rebanho", por exemplo.

No entanto, é inegável o caráter ecumênico do semanário. Na mesma edição, aparecem outras matérias acerca de Jesus. Em "O mestre invisível", Cristo é mostrado como um homem que trouxe soluções para o mundo moderno: solidariedade, paz, respeito e amor.

Em "A ciência à procura de Cristo" Jesus é "a mais influente personalidade de toda a história humana". Como sugere o nome, a reportagem fala da busca científica e arqueológica em comprovar a existência de Jesus.

Em "A sobrevivência da fé" a ciência é criticada por ter tentado apagar Jesus da história. Mesmo tendo sido "morto" por Karl Marx, Charles Darwin, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, "Deus continua vivo no mundo", discute Veja. De maneira relativamente neutra mostra a posição dos cientistas que crêem e dos que não acreditam.

A autora, Isabela Boscov, aparentando imparcialidade, diz que não consegue ver alguém se apegando a teorias como o Big Bang ao estar em um avião em queda. No tópico "E disse Jesus...", Veja apresenta dezenas de citações de Cristo de cunho social.

Arquivo

Na edição de 15 de dezembro de 1999, "Jesus 2000", Veja apresenta o Cristo histórico, apontando positivamente as tendências da religião cristã na mudança da contagem dos anos e a sua adaptação ao mundo moderno.

Dando uma olhada no arquivo encontramos algumas matérias não tão "cristianizadas" como as citadas. Em "O Jesus da história", de 23 de dezembro de 1992, o autor, Roberto Pompeu de Toledo, comenta sobre a vida de Jesus: "Não há história mais cheia de furos, esta é a verdade. Os relatos são confusos, as zonas de sombra se sucedem, as contradições abundam". As divergências apontadas por eles são tão grandes e enfatizadas que mais parecem tentar negar a existência de Cristo.

Em "A morte de Jesus", publicada em 12 de abril de 1995, Cristo está preste a ser preso e portanto "acompanha-o uma turba armada de espadas e paus'". Será que Jesus era um guerrilheiro? Veja declara que o ato de Cristo entrar no templo e derrubar as mesas dos cambistas que comercializavam ali se refere a um "ato contra o poder e a política dominante".

No mesmo artigo são trazidas opiniões de outros que acreditam que "Jesus não era um subversivo". Todavia, a idéia que fica na mente parece ser a de um Jesus revoltado com o governo da época, totalmente oposto aos quadros renascentistas - também questionáveis, por sinal.

Ciência versus religião

E a Superinteressante? Por ser voltada para temas de divulgação científica - entre eles, a evolução -, parece incoerente abordar a Jesus como sendo o criador do universo, como ainda acredita a maioria dos cristãos. A parcialidade, neste caso, vai para o mesmo lugar que a santidade de Cristo.

Parece que a Super gosta de mexer onde não está apta. Na verdade, a revista gosta de falar de temas polêmicos e que dão repercussão. Consegue!

Com prepotência visível, a Super estampou em dezembro de 2002 "A verdadeira história de Jesus". Hum? Ouvi verdadeira história? No artigo, dentre outras abordagens, o autor acusa os evangelhos de serem parciais ao tratarem da realidade de Jesus - sendo que, o próprio autor, não percebe sua total parcialidade. Nega, por exemplo, afirmativas como a de Jesus ter nascido em Belém [ver postagem A "tendenciosa" história de Jesus - por Superinteressante].

No mesmo texto, Jesus Cristo é apresentado como um homem motivado por um sentimento de injustiça social e um entre muitos curandeiros que se valiam de milagres subversivos, realizados para desafiar os líderes do templo. Deixa ainda transparecer a idéia de que o corpo de Jesus até hoje nunca foi encontrado porque o corpo dos crucificados era comido pelas aves. E o que dizem os teólogos que acreditam na sua ressurreição? Perdão! Esqueci que esse tipo de coisa não é provada pela ciência.

Como se não bastasse, a Superinteressante também publicou em julho de 2002: "A Bíblia passada a limpo". De acordo com o artigo, "o que sabemos com certeza é que Jesus foi um judeu sectário, um agitador político que ameaçava levantar os dois milhões de judeus da Palestina contra o exército de ocupação romano".

Algumas coisas nunca entenderemos. Jesus é sempre mostrado como um homem raivoso, provocador e subversivo. Enquanto isso, outros líderes religiosos do passado ganham grandes "bajulações" por parte das revistas. Na Super, em "O iluminado" (março/2002), Buda ganhou muito mais destaque e foi apresentando de maneira muito mais convincente.

Longe de ser um Che Guevara dos tempos bíblicos, Jesus é uma figura que vai além da retratação feita por Veja e Superinteressante. Se a opinião dos editores é contrária, tudo bem! Mas os dois lados da moeda têm que ser mostrados.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o post!
Super bem escrito!