terça-feira, 4 de março de 2008

Moisés estava drogado no monte Sinai?

[Daniel Lüdtke]

“Sim”. Essa é a opinião de Benny Shanon, especialista em psicologia da Universidade Hebraica de Jerusalém. Segundo ele, Moisés teria ingerido a substância alucinógena conhecida no Brasil como chá do Daime, de modo que a doação divina dos Dez Mandamentos seria uma ilusão cognitiva causada pela droga.

A teoria foi publicada esta semana na revista de filosofia Time and Mind e divulgada hoje no País pela BBC Brasil, O Estado de S. Paulo e G1. A repercussão do estudo gerou polêmica no mundo afora.

“De acordo com o pesquisador, a criação dos Dez Mandamentos poderia ser conseqüência de uma experiência com substâncias psicotrópicas, que alteram o estado cognitivo do indivíduo, e se encontram em plantas existentes inclusive no deserto do Sinai”, disse Shenon à BBC. "Segundo o pesquisador, os efeitos psicodélicos das bebidas preparadas com a ayahuasca são comparáveis aos produzidos pelas bebidas fabricadas com o córtex da acácia. A Bíblia menciona essa árvore freqüentemente, e sua madeira é parecida com a que foi utilizada para talhar a Arca da Aliança", informou o G1.

O rabino Yuval Sherlo, como publicou a BBC, garantiu que "a teoria é absurda e nem merece uma resposta séria". Segundo ele, a divulgação dessa teoria "põe em dúvida a seriedade tanto da ciência como da mídia".

Na reportagem, Benny Shanon conta que a primeira vez que experimentou o chá do Daime – à base da planta ayahuasca – foi em Rio Branco, no Acre, em 1991. Desde então, ele realizou estudos relacionando a ayhuasca e o fenômeno religioso, como em seu livro Antipodes of the Mind, publicaddo em 2003 pela Oxford University Press. Abaixo, Shanon descreve as experiências que teve com o uso do chá do Daime:

"A substância abriu para mim uma dimensão do sagrado que nunca tinha vivenciado antes, tive visões muito fortes, inclusive de cantar junto com milhares de anjos", descreve o pesquisador israelense. "A experiência foi tão forte que me levou a querer integrá-la no estudo da fenomenologia da consciência humana."

"Estudei, então, todos os contextos culturais e religiosos ligados à ingestão da ayahuasca", conta Shanon.

"Cheguei à conclusão de que, nas religiões mais antigas, como a zoroastra e a hinduísta, também houve rituais ligados à ingestão de substâncias que levam a alterações cognitivas, nos quais os participantes 'viram Deus' ou 'viram vozes'."

O professor de psicologia cognitiva cita o fenômeno da sinestesia, em que se cria uma relação entre planos sensoriais diferentes e o indivíduo se encontra em um estado neurológico que possibilita que ele "veja sons".

"Na Bíblia, há frases como 'o povo viu as vozes', que me chamaram a atenção, pois descrevem exatamente a sinestesia que ocorre com a ingestão da ayahuasca", afirma Shanon. "Encontrei frases semelhantes em textos e cânticos de outras religiões."

É verdade que indivíduos sob o efeito chá do Daime têm alucinações nas quais vêem vultos brancos, vozes, entre outros efeitos aparentemente sobrenaturais. Acontece que o efeito dura apenas algumas horas, e no episódio da doação da Lei, Moisés passa 40 dias no monte. Além dos Dez Mandamentos – princípios morais que dificilmente surgiriam de uma mente alucinada –, outras leis civis e religiosas são dadas detalhadamente a Moisés. Do capítulo 19 ao 31 do livro de Êxodo, são relatadas as instruções de Deus a Moisés, que incluem ainda toda a construção do santuário de maneira minuciosa e precisa.

Ninguém em delírio poderia produzir leis como essas apresentadas em Êxodo. Shanon, todavia, tenta se explicar: "Mas não é qualquer pessoa que ao ingerir a substância é capaz de criar os Dez Mandamentos, é necessário ser um Moisés para isso. Ao meu ver, a ayhuasca libera uma criatividade interna, como a arte", propõe.

“Não”, seria a resposta mais óbvia.

segunda-feira, 3 de março de 2008

"Super" desmente sensacionalismos do túmulo de Jesus e casamento com Maria Madalena

[Daniel Lüdtke]

A edição de março da Superinteressante publicou entrevista com Jonh Dominic Crossan1, “o papa do Jesus Histórico – como ressaltou a revista. Quando interrogado sobre a suposta descoberta de túmulos da família Jesus e do alardeado caso de Jesus com Maria Madalena, fomentado pelo Código da Vince, Crossan negou a veracidade desses “fatos”.

“Maria Madalena foi de fato uma apóstola importante, mas não há evidências de que Jesus fosse casado com ela”, garante o estudioso. Para Crossan, todavia, Jesus só não se casar porque não tinha condições financeiras para tal. “Isso não significa necessariamente um celibato programático, tem mais cara de sinal de pobreza. Muitos camponeses jovens não conseguiam se casar por causa da falta de bens”.

A questão dos túmulos foi outra muito divulgada pela mídia. A Superinteressante foi uma das propagadoras, lançando no Brasil, inclusive, o documentário O Túmulo secreto de Jesus, produzido pelo canal Discovery. Dos dez ossuários encontrados perto de Jerusalém, seis tinham nomes parecidos com as da família de Jesus: “Maria”, “José”, e a polêmica “Jesus, filho de José”. A similaridade foi agravada com um corpo encontrado ao lado desse “Jesus”, com o nome de “Mariamme”. “Como na época os casais eram enterrados juntos, seria ela Maria Madalena, mulher de Jesus?”, questionou a Super.

Crossan argumenta: “Se tivessem encontrado neles o nome de Maria Madalena, seria uma evidência importante. Mas o nome mais comum no século 1, na Palestina cristã, era Maria”. Maria e José já eram nome comuns naquele tempo. Jesus também. Seria o equivalente ao “João” do Brasil. Portanto, encontrar um túmulo com a inscrição “João, filho de José”, não seria uma informação nada precisa. “Quanto aos túmulos, não acredito que sejam da família de Jesus. Os nomes que aparecem nas tumbas eram comuns naquela época”, finaliza a questão.


(1) Crossan é membro do Seminário de Jesus, grupo de estudiosos da ala liberal (contendo desde ateus até um cineasta) que tentam provar que Jesus era unicamente um homem; nada além disso.