Ineditamente, a Época entrevistou (09/05/08) o ex-ateu Alister McGrath, doutor em biofísica molecular e teologia pela Oxford, onde atualmente é professor. McGrath, autor do livro “O delírio de Dawkins”, é um dos principais defensores do cristianismo no meio científico e um dos maiores críticos do fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins – popularmente difundidos na polêmica obra “Deus, um delírio”.
Silêncio do tribunal. Que fale o advogado de Deus!
Entrevista: Alister McGrath afirma que a fé ajuda a explicar o que a ciência não consegue
Alister McGrath e Richard Dawkins, autor do livro "Deus, um delírio", têm trajetórias bastante parecidas. Ambos são cientistas de Oxford, estudiosos das ciências naturais e mostram-se abertos a novas formas de pensar, desde que as evidências o levem a isso. A diferença é que o raciocínio lógico levou Dawkins a pregar o ateísmo e McGrath a acolher a fé. Leia, nesta entrevista, como ele considera que a existência de Deus pode ajudar o conhecimento científico.
ÉPOCA - Quando você passou a acreditar em Deus?
Alister McGrath - Na juventude estive apaixonadamente persuadido pela veracidade e relevância do ateísmo. Quando fui para Oxford estudar química, comecei a refletir sobre se aquilo faria sentido. Mais tarde conheci Joanna (sua atual esposa) e percebi que a força dos argumentos que levam a Deus é mais satisfatória do que a que leva ao ateísmo.
ÉPOCA - Vocês e Richard Dawkins são amigos?
McGrath - Não, somos apenas professores da mesma universidade. Nós estamos presentes em alguns congressos e nos encontramos. Somos cordiais. Mas não posso dizer que somos amigos. Nós nos conhecemos mais pelas publicações que um e outro produziu. E nossas divergências também aparecem no que escrevemos.
ÉPOCA - Você diz que Dawkins se tornou um fanático. Qual a sua suspeita?
McGrath - A agressividade de Dawkins é reflexo de sua frustração. Ele passou a ser mais agressivo porque sabe que a religião está cada vez mais presente na vida das pessoas. Ele convoca seus leitores para militar contra a religião e rompe com sua própria argumentação. Seu único argumento é de que a religião não descobriu nenhum indício sobre a existência de qualquer realidade que não seja a natural. É por frustração que ele afirma que toda a religião é perniciosa e deve ser banida da sociedade.
ÉPOCA - Quais seus argumentos para acreditar que Deus existe?
McGrath - Neste meu livro, eu realmente não dou argumentos para acreditar em Deus, mas rebato os de Dawkins. A forma como você acredita em Deus dá sentido ao mundo. Acreditar em Deus traz esperança e motivação para se manter vivo e se relacionar com as pessoas.
ÉPOCA - Você acredita na evolução?
McGrath - Eu discordo de Dawkins em sua insistência de que a evolução biológica exclui Deus do processo. Não entendo como ele chegou a essa conclusão. Na minha opinião, as duas coisas são compatíveis.
ÉPOCA - As pessoas religiosas têm a moral mais desenvolvida que os ateus?
McGrath - Não quero dizer que ateus são pessoas ruins. O que quero dizer
é que acreditar em Deus dá habilidade e ferramentas para tratar melhor deste
assunto.ÉPOCA - Dawkins diz que é importante submeter a fé a um exame crítico. Você acredita nisso?
McGrath - Sim, acho que isso é uma importante coisa a se fazer. Acredito que todo mundo deveria submeter suas crenças a um exame crítico. Sempre. A razão pela qual sou cristão é porque submeti minhas crenças e descobri que elas não ficavam em pé. Para mim, acreditar em Deus tem razões muito mais robustas.
ÉPOCA - Quando a ciência não pode explicar Deus?
McGrath - Penso que a ciência é extremamente efetiva para explicar o mundo natural. Mas quando tenta explicar questões como valores ou significados, não acredito que ela consiga com êxito. Dawkins diz que a ciência pode explicar todas as coisas. Eu digo que acreditar em Deus ilumina partes da vida que a ciência não pode explicar. As duas podem trabalhar muito bem juntas.
ÉPOCA - Você votaria em um candidato ateu?
McGrath - Eu não escolheria meu candidato considerando a religiosidade dele. Dawkins exagerou no preconceito. Eu não cultivo o preconceito que ele próprio tem. Há um grande preconceito dentro da universidade, especialmente contra cristãos.
Em seu livro “O delírio de Dawkins”, McGrath questiona o dogmatismo ateísta de Richard Dawkins. “Tal qual um evangelista, Dawkins prega a seus devotos do ódio a Deus”, aponta McGrath. Veja a síntese do problema:
“Essa questão é muito séria e problemática. A total convicção dogmática que permeia algumas partes do ateísmo ocidental de hoje, notavelmente ilustrada em ‘Deus, um delírio’ – se alinha de imediato a um fundamentalismo religioso cujas idéias não se podem examinar ou contestar. Dawkins resiste a ajustes em suas convicções, que ele considera luminosamente verdadeiras e, portanto, isentas de qualquer defesa. Está tão convencido da correção de suas concepções que não se permite acreditar que as evidências possam legitimar quaisquer outras opções – sobretudo religiosas” [p. 19].
DAWKINS versus MCGRATH
Leia a síntese do duelo de argumentos entre Richard Dawkins e Alister McGrath, como apresentados em “O delírio de Dawkins”:
A FÉ É INFANTIL
Argumento de Dawkins: Crer em Deus é como crer no coelhinho da Páscoa ou em Papai Noel – crenças infantis que são abandonadas tão logo nos tornamos capazes de pensar com base nas evidências. A humanidade “pode deixar a fase do bebê-chorão e finalmente atingir a maioridade”. Tal “explicação infantil” pertence a uma era remota e supersticiosa da história, já superada, da humanidade” [Thought for the Day, Rádio BBC, 2003].
Argumento de McGrath: “Quantas pessoas você conhece que passaram a acreditar em Papai Noel na vida adulta? Ou que, na velhice, achou sua fé no consolador coelhinho da Páscoa? (...) Eu não acreditava em Deus até ir à universidade. Aqueles que usam o argumento da infantilidade devem explicar por que tantas pessoas descobrem Deus mais tarde na vida, e certamente não acreditam que isso representa algum tipo de regressão, perversão ou degeneração” [O delírio de Dawkins, p. 28].
A EXTREMA IMPROBABILIDADE DE DEUS
Argumento de Dawkins: “Qualquer Deus capaz de projetar qualquer coisas teria se ser complexo o suficiente para exigir o mesmo tipo de explicação para si mesmo. A existência de Deus nos coloca diante de uma regressão infinita da qual ele não consegue nos ajudar a fugir” [Deus, um delírio, p. 153].
Argumento de McGrath: “Dawkins é particularmente sarcástico em relação aos teólogos que se permitem o ‘duvidoso luxo de conjurar arbitrariamente uma terminação para a regressão infinita’ (Deus, um delírio, p. 112). Tudo o que é auto-explicado deve ser explicado – e essa explicação, por sua vez, precisa ser explicada, e assim por diante. Não há um meio justificável de pôr um fim a essa regressão infinita de explicações. O que explica a explicação? Ou para mudar um pouco a metáfora, quem projetou o projetista? (...) Talvez devamos refletir sobre as muitas coisas aparentemente improváveis – mas a improbabilidade não implica, nem nunca implicou, a não-existência. Podemos ser altamente improváveis. Mas estamos aqui. A questão, portanto, não é se Deus é provável, mas se Deus é real” [O delírio de Dawkins, p. 38-41].
A CIÊNCIA EXPLICA TUDO
Argumento de Dawkins: “A ciência explica tudo” [Philosophical Foudations of Neuroscience, p. 372-376].
Argumento de McGrath: “As teorias científicas não podem ser tomadas para ‘explicar o mundo’, mas apenas para explicar os fenômenos observados no mundo. Além disso, argumentam os autores, as teorias científicas não descrevem e explicam ‘tudo sobre o mundo’, e nem pretendem fazê-lo – conforme suas propostas. Direito, economia e sociologia podem ser citadas como exemplos de disciplinas que se dedicam a fenômenos de domínios específicos, sem que, de modo algum, sejam consideradas inferiores às ciências naturais ou delas dependentes” [O delírio de Dawkins, p. 53].
RELIGIOSIDADE GERA VIOLÊNCIA - ATEÍSMO NÃO
Argumento de Dawkins: “Não acredito que haja um ateu no mundo que demoliria Meca – ou Chartres, York Minster ou Notre Dame” [Deus, um delírio, p. 322].
Argumento de McGrath: “A visão ingênua e pueril de Dawkins de que ateus nunca cometem crimes em nome do ateísmo tropeça nas cruéis pedras de realidade. (...) A história da União Soviética está repleta de incêndios e explosões de inúmeras igrejas. Sua contestação de que o ateísmo é livre de violência e opressão, as quais ele associa com a religião, é simplesmente insustentável e sugere um significativo ponto cego” [O delírio de Dawkins, p. 111].
“Suponha que o sonho de Dawkins se tornasse realidade e a religião desaparecesse: isso poria fim às divisões dentro da humanidade? Com certeza não. Tais divisões são basicamente construtos sociais que refletem a necessidade sociológica fundamental de autodefinição das comunidades, e que identificam quem está ‘dentro’ e quem está ‘fora’, quem são os ‘amigos’ e quem são os ‘inimigos’” [O delírio de Dawkins, p. 115].
JESUS FOI SEPARATISTA E O CRISTIANISMO PROMOVE ISSO
Argumento de Dawkins: “Jesus foi um devoto da mesma moralidade entre membros do mesmo grupo – associada à hostilidade a forasteiros – que era tida como certa no Antigo Testamento. Jesus era um judeu leal. Foi Paulo quem inventou a idéia de levar o Deus dos judeus aos gentios. Hartung usa um tom mais duro do que eu ousaria: ‘Jesus teria se revirado no túmulo se soubesse que Paulo estava levando seu plano aos porcos’” [Deus, um delírio, p. 332].
Argumento de McGrath: “Em primeiro lugar, Jesus estende explicitamente o mandamento do antigo Testamento de ‘amar o seu próximo’ para ‘amar os inimigos’ (Mateus 5:44). Longe de endossar a ‘hostilidade aos de fora’, ele recomendou e ordenou uma moral de ‘ratificação dos de fora’. (...) Os cristãos podem ser acusados de não cumprir esse mandamento. Mas ele stá lá, bem na essência da ética cristã”. [O delírio de Dawkins, p. 120-121].
“Em segundo lugar, muitos leitores poderia mencionar que a conhecida narrativa da parábola do bom samaritano deixa claro que o mandamento para ‘amar o seu próximo’ vai além do judaísmo. (...) No Novo Testamento, tal grupo é diversamente chamado de ‘pecadores’, ‘coletores de ‘impostos’ e ‘prostitutas’. Uma das principais acusações feitas por seus críticos no judaísmo era a aberta aceitação de Jesus aos ‘de fora’” [O delírio de Dawkins, p. 121].